Brasil é parte da América Latina, mas parece que não, diz músico da Francisco, el Hombre

O Brasil faz parte da América Latina, mas parece que não. Essa é a visão do músico Sebastián Piracés, vocalista e baterista da banda brasileira Francisco, el Hombre. Segundo o artista, muita gente fala que  o relativo baixo consumo de música em espanhol no Brasil é pelo idioma, já que em quase todos os outros países falam espanhol, mas o consumo de arte em inglês é grande.

“Não é pela língua, mas por um processo de imperialismo norte-americano que já leva mais de meio século”, diz Sebastián, durante a nona edição da Bime (Bizkaia International Music Experience) na última quinta (28) em Bilbau, no norte da Espanha.

O evento no País Basco é um encontro musical entre profissionais da área que traz discussões importantes do mercado, apresenta tendências e paralelamente promove shows de bandas de diversas partes do mundo, especialmente latino-americanas, em casas da cidade. Pelas palestras e pelos debates passaram cerca de 3.500 pessoas.

Axel Didier, Rubén Sierra, integrantes do grupo de Barcelona La Pegatina, e Felipe González, diretor da produtora brasileira Difusa Fronteira (esq. p/ dir.) em conversa na Bime Pro 2021; no telão, Adrián Salas. do La Pegatina, Sebastián Piracés e Lazúli, da Francisco, el Hombre (Amon Borges - 28.out.2021/Folhapress)
Axel Didier, Rubén Sierra, integrantes do grupo de Barcelona La Pegatina, e Felipe González, diretor da produtora brasileira Difusa Fronteira (esq. p/ dir.) em conversa na Bime Pro 2021; no telão, Adrián Salas. do La Pegatina, Sebastián Piracés e Lazúli, da Francisco, el Hombre (Amon Borges – 28.out.2021/Folhapress)

Sebastián participou da exposição sobre o processo de criação colaborativa entre artistas iberoamericanos, que reuniu Lazúli, também da Francisco; Adrián Salas, Axel Didier, Rubén Sierra, integrantes do grupo de Barcelona La Pegatina; e Felipe González, diretor da produtora brasileira Difusa Fronteira.

“A principal barreira que identifico é o estranhamento, que gera afastamento [da cultura em espanhol e em português]. As pessoas foram ensinadas a não apreciar aquilo que desconhecem. Inclusive por isso ridicularizam ou minimizam em estereótipos tão clichês”, diz Sebastián.

Lazúli, responsável pela voz e percussão, resgatou na conversa nomes importantes que em outros tempos ajudaram a estabelecer essa conexão na música latina, como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Mercedes Sosa, e personagens mais recentes como Anitta e J. Balvin.

E as raízes latinas com sotaque espanhol são latentes no trabalho da Francisco, el Hombre. A começar pelo nome da banda, inspirado em um personagem homônimo que viram em “Cem Anos de Solidão”, do escritor colombiano Gabriel García Márquez.

Ainda há o fato de os irmãos Mateo (voz e violão) e Sebastián Piracés serem mexicanos de nascimento, mas que vieram ao Brasil ainda na infância. Além deles e de Lazúli, o grupo formado em Campinas (SP) em 2013 conta atualmente com os músicos Andrei Martinez Kozyreff (guitarra) e  Helena Papini (baixista).

“A banda surgiu como intenção de rodar estradas para aprender com as culturas que íamos encontrando no caminho”, afirma Sebastián. “Foi nessas andanças, cantando sobre o que a gente aprendia, que a gente percebeu que íamos formando um público sedento por esse aprendizado”, conta ele, que já subiu ao palco de festivais imensos como Lollapalooza, em 2018, e Rock in Rio, em 2019.

Com essas influências, uma das missões da banda é justamente mobilizar os dois lados —quem fala português e quem fala espanhol— para uma troca maior de experiências.

“Nosso papel é provocar uma mudança de tendências. Muitos artistas do Brasil começaram a ver a música em espanhol com outro ponto de vista”, conta Sebastián. “Estamos tentando mostrar uma forma de consumir música menos centrada nos Estados Unidos.”

Felipe González dirige a Difusa Fronteira, que desde 2006 trabalha com a circulação de projetos de música, teatro, circo, dança e outras expressões artísticas com foco no intercâmbio entre Brasil e outros países da América Latina. A empresa é responsável pela Francisco, el Hombre, pelo festival Mucho!, em São Paulo, e pela agenda americana de Lenine.

Para o empresário, a aproximação cultural de projetos brasileiros com outros países do continente —e vice-versa— esbarra principalmente na falta de apoio dos grandes veículos de comunicação. “O mercado se acostumou a divulgar e apoiar projetos anglo-saxão e pouco se pauta no intercâmbio entre os vizinhos, apesar de um sempre crescente interesse do público”, afirma González.

“É muito difícil entrar no mercado beasileiro com um tema em espanhol”, reforça o músico catalão Rubén Sierra, que com seu grupo La Pegatina participa do “Casa Francisco”, novo disco da Francisco, el Hombre, lançado em 21 de outubro, como dez músicas.

De forma remota, os espanhois produziram com os brasileiros a faixa “Solo Muere el que se Olvida” (“Só morre aquele que se esquece”, em tradução livre), estabelecendo um intercâmbio interessante. Em um momento de turnês com o arrefecimento da pandemia de Covid-19, uma pode abrir portas em seus países para a outra.

“É uma banda muito parecida com a gente, muito festiva. Falar da morte é um tabu, é algo triste, mas conseguimos transmitir uma boa mensagem”, afirma Rubén.

“A morte é a única certeza que a gente tem ao nascer. É algo tão doloroso e difícil, porém que precisamos lidar uma hora ou outra”, conta Sebastián. Segundo ele, que está no México, o coletivo teve um grande aprendizado ao passar o Dia dos Mortos no país. “Foi justamente o de ressignificar a dor do luto em felicidade por ter tido o privilégio de viver a pessoa em vida e mantê-la viva em celebração.”

Isso foi antes da pandemia, porém agora sentimos tanto a dor da perda de pessoas próximas e de ver tanta gente perdendo entes queridos que sentimos a necessidade de voltar a abordar o assunto em forma de música, para tentar fazer um grão de areia nosso para trazer paz às pessoas em luto, e a nós mesmos”, relata o baterista.

A música já está em plataformas de streaming, vistas por Felipe González como grande aliadas no processo de internacionalização e conhecimento do conteúdo.

Na própria Bime, há certa dificuldade para reunir nomes brasileiros. Houve a tentativa de levar a cantora Anitta ao evento, mas por questões de agenda não se concretizou, conta o diretor Julen Martin Larrinaga. Outra barreira a ser transposta ainda é a falta de incentivo do governo do Brasil e de marcas para apoiar os artistas.

O festival conta com uma versão colombiana, cuja próxima edição está marcada dos dias 4 a 7 de maio em Bogotá. Para lá, o aumento de representatividade dos palestrantes é um dos objetivos da organização —contar com mais brasileiros, negros, indígenas, por exemplo.

*O jornalista viajou a convite da Last Tour, produtora do evento


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